Ana tinha muito coração. Ana sentia muito, amava muito, odiava muito, se aborrecia muito, se alegrava muito e tudo, muito. Mas ela sempre soube que seu muito não era suficiente. O muito é uma medida estranha, uma super dosagem, uma confusão só!
Ana já foi loira, morena, vermelha e castanha clara. Nunca esteve contente. Tinha cabelo liso quase escorrido. Mal conseguia amarrar uma fita, e mesmo escorrendo entre as cores, ela ainda insistia em prender todo aqueles fios fininhos e miúdos com a bela fita vermelha. Gostava porque era vermelha, porque era brilhante e porque lembrava muito sua mãe, que também gostava muito de vermelho, bem cereja.
Ela estava contente. Não que fosse, mas era um estado de espírito para aquele dia afinal, estava sol e bem fresco. Enquanto caminhava em direção a banca, pensava em seu cabelo e de certa forma até gostava de tê-lo assim tão escorrido. Estava contente, estava sim. Mas estava feliz. Não se sentia feliz a um tempo. Sabia o que era felicidade e a encontrava de vez em quando. Sentia felicidade nos abraços de saudade, nos beijos de reencontros, no seu anel em forma de laço, no batom rosa chiclete que insistia em retocar toda vez que terminava de fumar. Era feliz até no rímel que escurecia os olhos todos os dias às seis da manhã.
Tinha alguns desconfortos passageiros, quase tão efêmeros quanto sua vontade de ter cabelos com cachos. Sim, ela não aceitava mas ela achava bonito e esse era um dos maiores problemas daquela época. Queria ter cachos pretos para amarrar sua fita vermelha bem brilhante, de cetim já um pouco desfiado pelo tempo. Era simples. Ela achava que tudo mudaria se tivesse cachos bem cacheados.
Os dias passaram como sempre. Com toda alegria e melancolia de todo santo dia. Nunca tentou mudar isso. Continuou querendo os cachos e começou a aceitar que o cabelo escorrido tinha mais vantagens. Foi aceitando como se fosse um corpo estranho, um tipo de bactéria viral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário