4.7.11

Camila

Tinha sua casa colorida, duas gatas, umas garrafas na estante, três almofadas para afagar o cansaço, alguns maços de cigarro espalhados pela casa e um notebook para começar. Estava feita sua escolha e iria até o fim, sim. Desde sempre escrevia, mentalmente, suas doses diárias de alegrias e melancolias, mas vez ou outra tudo se perdia em lapsos relâmpagos de (in)consciência. Era algo cadenciado, ora pensado e premeditado, ora por sua infeliz incapacidade de guardar detalhes preciosos. Pois lá estava com seu bloco de papel, caneta azul, notebook aberto no bloco de notas e um cigarro já aceso por uns bons três minutos. Ao silêncio do pensamento e ao som de Cole Porter. Rascunhava alguma ideia: amor. Debatia com o inconsciente: Desista, nesse assunto você sabe que é incapaz. Pensava: Falta-me um drink, um afago para carência desenfreada da noite. Vá! Não resista e encha seu copo.
Já passava da uma da manhã e era só ela, Cole Porter e seus acasos amorosos que habitavam o apartamento recém alugado. Fumava e tentava se atear a maior referência amorosa. Pensava em começar pelo caso mais amável e mais sofrido da vida para ver se assim deslancharia ao escrever dos demais. Pensava com grande esforço, desse de quem sente saudade. Forçava-se a lembrar o que foi amar João.
Até então, era o maior amor de toda sua vida de trinta e um anos de existência. João era mais velho e costumava superá-la nas numerações. Começavam a disputar na idade: ele tinha trinta e cinco anos, quatro a mais que Camila. Ele tinha sete tatuagens, contando com o próprio nome de Camila, impulso amoroso na viagem à São Tomé das Letras. Camila, só tinha cinco e uma também era o nome do amado. João já havia namorado sério sete namoradas e tentado casamento de 3 anos com uma delas. Camila só havia conseguido namorar três e sua tentativa de casamento não passou de sete meses. João tinha um carro e uma moto. Camila nem um, nem outro. João tinha duas faculdades e um mestrado. Camila uma e o mestrado que havia acabado de iniciar. Ela nunca saía na frente, sorte com os números nunca foi seu forte... João tinha bons números, mas não tinha mais sorte em nada. [Ainda amava Camila, enlouquecidamente. Pensava em como era infeliz sem e como foi feliz ao seu lado. Não se conformava com sua vida e só conseguia beber para tentar amenizar a solidão noturna.]
Ainda sentada em frente ao notebook, lembrou-se que conseguiu rememorar todas as diferenças numéricas entre eles e assim se deu conta que João não havia sido seu grande amor. Já estava no segundo copo de Campari e no quarto cigarro e só havia escrito uma frase: João foi uma paixão de verão. Foi assim, não mais que de repente que seu coração se acalmou e se transpôs completamente a outra inquietação. Tragou, bateu as cinzas, ajeitou a manta envolvendo os pés gelados pelo inverno paulista e indagou: e agora? qual terá sido meu grande amor?

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